Galpões vazios na Barra Funda viram ‘palcos’ para companhias de teatro

Noite fria de quinta-feira e um pequeno espaço aconchegante, onde funciona um café na Rua Barra Funda, recebe o público que espera pela estréia do espetáculo de teatro “Bichado”. No endereço funciona a sede do grupo Núcleo Experimental. E o cenário não seria possível sem a tomada dos galpões do bairro por amantes da cultura. O tradicional bairro de São Paulo, que em seus 5,6 km² abriga 14,3 mil habitantes, abre espaço para companhias de teatro de diversos perfis e tamanhos.

Moradores do bairro começam, aos poucos, a tomar conhecimento dos espetáculos e aproveitar a praticidade. Depois de sair da academia, a empresária Juliana Graupen passou para retirar seus ingressos uma hora antes da estreia, foi para casa se arrumar e voltou com o marido ao teatro poucos minutos antes do início da peça.

“Ficamos sabendo do espaço quando estávamos em um pub no bairro e conhecemos a protagonista da peça As Troianas, que estava em cartaz antes dessa. Viemos e gostamos. Começamos a receber os emails com a programação e já estamos aqui de novo. A princípio o atrativo foi a gratuidade e a praticidade de ser perto de casa, mas gostamos muito do espaço e da peça e agora acompanhamos”, diz.

O Núcleo Experimental está na Barra Funda desde outubro de 2011 e percebe a cada exibição a crescente presença de moradores do bairro na platéia de suas peças. “A vizinhança aqui é muito acolhedora. Foi extremamente hospitaleira com uma atividade que ainda não é a principal atividade na redondeza. Estamos em uma rua com muitas oficinas mecânicas, funilarias, acessórios para automóveis, e o equipamento cultural ainda não é o foco do entorno, mas temos percebido esse aumento”, diz Zé Henrique de Paula, diretor artístico do Núcleo.

Se há quem procure praticidade, há também quem atravesse a cidade para assistir ao espetáculo pelo seu conteúdo. “Não tinha o costume de frequentar a Barra Funda, mas acompanho a programação em São Paulo e notei que os textos apresentados aqui, com contexto social, têm o perfil das peças de que mais gosto”, conta Marcos Marinho, que vem de Pirituba.

Estreante nas peças do Núcleo, Luciane Santana foi atraída pela proposta de uma plateia menor, com clima mais íntimo. “Fiquei sabendo do espaço e da proposta e decidi vir. Eu gosto desse estilo de espaço, algo menor, mais íntimo, acho interessante justamente porque foge um pouco do corredor dos grandes sucessos do teatro. E o fato de ser na Barra Funda, um bairro que já conheço e bem localizado, foi um atrativo”, afirma.





O Núcleo tem sede em um grande galpão, com entrada estreita e fundo extenso, onde antes funcionava uma gráfica. O perfil do imóvel, aliás, é o preferido das companhias de teatro que encontram no bairro abrigo ideal para seus ensaios e apresentações. E a desocupação desses galpões para dar espaço a “palcos” da arte se consolidou, principalmente, após a restrição da circulação de caminhões na Marginal Tietê e no Minianel Viário, em março deste ano.

“A Barra Funda ainda tem um baixo índice de verticalização e não há saturação aqui. Eu acho que pequenos negócios abrem espaço para a pluralidade de pessoas e de interesses, e o teatro poder estar neste ambiente é uma grande coisa. Esse é um bairro perto do centro, mas que ainda não foi invadido pela histeria de verticalização. Aqui a restrição [de circulação de caminhões] teve o papel de deixar imóveis disponíveis para essa vocação criativa do bairro”, afirma o ator Sergio Mastropasqua, diretor de produção do Núcleo.

Na Rua Lopes de Oliveira, outro galpão, dessa vez onde funcionava uma oficina de carros, abriga há quatro anos os cenários e figurinos da Cia São Jorge. No local, a companhia criou seu espaço de ensaios, reuniões e apresentações. O local, bastante colorido e decorado com peças de cenários e figurinos, tem a cara da peça “Barafonda”, que o grupo apresenta pelas ruas da Barra Funda, com a interação do público e de moradores e comerciantes do bairro.

“Os imóveis que atraem companhias de teatro são geralmente amplos, com essa cara de galpão, e por isso acabamos escolhendo galpões antigos, que antes eram usados como depósitos e oficinas. É importante, no entanto, destacar que a Barra Funda corre o risco de uma verticalização e isso seria o inverso do que os núcleos de cultura tentam, que é o resgate da história do bairro e das suas raízes”, diz Patrícia Gifford, atriz, uma das fundadoras da Companhia e coordenadora-geral do projeto “Barafonda”, em cartaz.

O grupo apresenta a peça “Barafonda” pelas ruas do bairro e uma das cenas é feita dentro do espaço, com a participação do público e de comerciantes da região. “É uma experiência muito diferente. A platéia está no jogo, então as regras são outras e tem muito improviso. O teatro é muito mais vivo e a obra se mistura com a verdade. Há um roteiro, mas a obra é móvel.”

Outras companhias pelo bairro apresentam peças de perfis variados e têm, em sua maioria, ensaios abertos ao público da região gratuitamente, como é o caso por exemplo da Cia Balagan, na Alameda Olga. Para quem se interessa por oficinas e aulas de teatro, também há grupos com vagas na Barra Funda.

Fonte: G1





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